Agatha Moreira como Josiane (foto: Artur Meninea/TV Globo)

O mais prolífico de nossos telenovelistas, Walcyr Carrasco assinou 6 novelas na década passada e 7 nesta. É um recorde absoluto e intransponível se considerarmos que Manoel Carlos teve apenas 1 novela nos anos 2010, Glória Perez e Gilberto Braga 2, Elizabeth Jhin 4, e João Emanuel Carneiro, Aguinaldo Silva, Alcides Nogueira, Maria Adelaide Amaral, Walther Negrão e a dupla Thelma Guedes e Duca Rachid 3.

Carrasco ainda sai na frente por dois outros motivos: é o único que transita relativamente bem em todos os horários (Eta Mundo Bom às 6, Morde e Assopra às 7, Amor à Vida, O Outro Lado do Paraíso e A Dona do Pedaço às 9, Gabriela e Verdades Secretas às 11) e suas novelas sempre registram ótimos números de audiência. Ou seja: hoje, Walcyr Carrasco é um coringa – uma espécie de tábua da salvação quando se quer levantar qualquer horário em déficit.

E também a galinha dos ovos de ouro da Globo, afinal, é o autor com maior faturamento para a casa – o que pode lhe conferir status de “intocável”, aquele que se atende todas as regalias e vontades porque será sempre garantia de sucesso. “Surfando nesta onda”, estão atores e profissionais se estapeando por uma oportunidade em produções de Walcyr Carrasco, pela repercussão que elas atingem.

Juliana Paes e Reynaldo Gianecchini (foto: Isabella Pinheiro/TV Globo)

Porém, tudo a um preço. Não vou insistir que Carrasco é pouco original. Todos os novelistas são e se repetem. O notório nele é que, além de repetir-se, repete os seus colegas. Há muito de Verdades Secretas em A Dona do Pedaço, mas há também muito de Vale Tudo, Rainha da Sucata e outras histórias alheias. Nada parece original nessa novela, mas isso é o de menos.

O preço mais caro por tanta produtividade está na falta de cuidado no texto e na elaboração de tramas e personagens. Para dar conta de tanta demanda, Walcyr Carrasco se estabelece na superficialidade e negligencia a qualidade, desprezando uma história bem construída e amarrada com personagens ricos. Em A Dona do Pedaço, o autor não está preocupado em detalhar as origens de fatos e sentimentos. “É assim porque é assim“, não interessa o porquê. Atropela-se a lógica, inclusive, porque ela também não interessa.

Os perfis dos personagens são rasos, unilaterais e maniqueístas, sensação aumentada por suas falas, sempre muito simplórias, diretas e repetitivas. Não há camadas. O didatismo trabalha apenas a favor da fixação: Carrasco explica para que uma criança de oito anos possa entender. Tudo é mastigado e fartamente repetido para não dar trabalho nenhum ao telespectador: ele não precisa puxar pela memória ou pensar. Refletir então!

Rosamaria Murtinho (foto: reprodução)

As abordagens são ocas. Psicopatia, armamento, homofobia, transfobia, machismo e violência na escola (vistos em A Dona do Pedaço) servem apenas ao espetáculo. O autor não apresenta prós e contras. Os temas não estão lá para levantar questionamentos ou discussões. Servem apenas à história que ele quer contar ou à piada momentânea (que será repetida no capítulo seguinte, e no seguinte, e sucessivamente).

Dizer que Walcyr Carrasco usa propositalmente uma receita de novela para atender os tempos atuais, ou que ele capta o zeitgeist, o espírito de nosso tempo, é um equívoco. Carrasco escreve o que o público quer ver porque ele sempre escreveu assim e essa é a sua fórmula de sucesso. É mestre de uma carpintaria própria muito eficiente. E era o autor certo para substituir O Sétimo Guardião, que naufragou na audiência.

Acredito que se o público receber algo diferente – texto, trama e personagens melhor elaborados, mais ricos, bem cuidados e finalizados -, o resultado será tão bom quanto, desde que esse público seja fisgado pela emoção. Com personagens e tramas da profundidade de um pires, Carrasco não serve à emoção. Ele apenas monta seu espetáculo, provoca catarses fáceis e conquista audiência. E assim, a cada novela. A pastelaria não pode parar.

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