Sinopse

Rio de Janeiro, século 19, poucos anos antes da Abolição da Escravatura.

Isaura é uma escravizada branca que sabe apenas que a sua mãe, a mestiça Juliana, foi mucama na fazenda de seus senhores. Órfã desde o nascimento, ela recebeu o amparo da sua senhora, Dona Ester, que a criou como uma filha, mas é desprezada pelo Comendador Almeida, seu senhor. Dócil e submissa, mesmo assim Isaura sonha em conquistar a liberdade. Desde que revelou-se seu pai, o ex-feitor Miguel junta dinheiro para comprá-la.

O amor surge na vida de Isaura na figura de Tobias, proprietário de uma fazenda vizinha. Envergonhada, ela não revela suas origens e passa a se encontrar com ele em segredo. O romance vai bem quando volta da Europa o filho de seus senhores, Leôncio, de caráter vil e mesquinho. O jeito, os modos e educação de Isaura o impressionam. Acreditando que ela seja uma presa fácil para os seus caprichos, Leôncio a persegue insistentemente.

Com a morte de Ester, sua protetora, Isaura se vê cada vez mais acuada. Revela sua condição a Tobias, que tenta obter licença para se casarem. Porém, Leôncio está cada vez mais obcecado por ela. Tanto que, louco de ciúmes, não hesita em pôr fogo em uma cabana onde estava Tobias, que morre carbonizado. Entretanto, Leôncio não contava que lá estivesse também Malvina, jovem da corte com quem havia se casado.

A vida de Isaura transforma-se em uma sucessão de suplícios infligidos por Leôncio, que não a poupa nem mesmo do tronco, como forma de castigo. Sua única alternativa é fugir com o pai Miguel e um casal de escravizados amigos, André e Santa. Enquanto Leôncio os procura desesperadamente, os fugitivos vão parar em Barbacena, Minas Gerais, onde, com medo de ser descoberta, Isaura assume outra identidade, Elvira.

Isaura-Elvira conhece Álvaro, rico abolicionista que se apaixona por ela. Porém, a moça, depois da morte de Tobias, passou a viver como viúva e sua única preocupação é juntar dinheiro para fugir do país e do alcance de Leôncio. Álvaro, no entanto, consegue conquistar seu coração e a convence a deixar a reclusão em que vivia e ir a um baile. Lá, Isaura é desmascarada por Martinho, um caçador de recompensas, denunciada e, depois, capturada.

Leôncio, por má administração de seus negócios, na iminência de falir, casa-se em segundas núpcias com a jovem Aninha Matoso, de olho em seu dote. Enfurecido por sentir-se rejeitado por Isaura e por saber que ela ama outro homem, tem a ideia de casá-la com o velho Beltrão, jardineiro aleijado e disforme apaixonado por ela. Contudo, a essa altura, os bens de Leôncio já não lhe pertencem mais. Nem mesmo sua cativa Isaura.

Globo – 18h
de 11 de outubro de 1976
a 5 de fevereiro de 1977
100 capítulos

novela de Gilberto Braga
baseada no romance “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães
direção de Herval Rossano e Milton Gonçalves
direção geral de Herval Rossano

Novela anterior no horário
O Feijão e o Sonho

Novela posterior
À Sombra dos Laranjais

LUCÉLIA SANTOS – Isaura / Elvira
RUBENS DE FALCO – Leôncio Correia de Almeida
EDWIN LUISI – Álvaro Santana de Souza
ROBERTO PIRILO – Tobias Paes Vidal
NORMA BLUM – Malvina Fontoura
GILBERTO MARTINHO – Comendador Almeida (Horácio Correia de Almeida)
BEATRIZ LYRA – Ester Correia de Almeida
ÂNGELA LEAL – Carmem Magalhães
ÁTILA IÓRIO – Miguel dos Santos / Anselmo
HAROLDO DE OLIVEIRA – André
MARIA DAS GRAÇAS – Santa / Maria
ZENI PEREIRA – Januária
ISAAC BARDAVID – Francisco
LÉA GARCIA – Rosa
MÁRIO CARDOSO – Henrique Fontoura
ELISA FERNANDES – Taís Paes Vidal
DARY REIS – Conselheiro Fontoura (Inácio Fontoura)
AMIRIZ VERONESE – Alba Paes Vidal
CARLOS DUVAL – Beltrão
ÍTALO ROSSI – José Matoso
FRANCISCO DANTAS – Matoso
MYRIAN RIOS – Aninha (Ana Matoso)
ARY COSLOV – Geraldo
CLARISSE ABUJAMRA – Lúcia Andrada
ANDRÉ VALLI – Martinho (João Batista Martinho)
JOSÉ MARIA MONTEIRO – Capitão Andrada
GILDA SARMENTO – Carolina Andrada
ANA MARIA GROVA – Eneida
NEUZA BORGES – Rita
NENA AINHOREM – Lucíola
MÁRIO POLIMENO – Palhares
MARLENE FIGUEIRÓ – Leonor
ALMEIDA SANTOS – Jaime

e
AGUINALDO ROCHA – Dr. Alceu Dias Bernardes (advogado de Ester, responsável pela carta de alforria de Isaura)
EDYR DE CASTRO – Ana (mucama dos Almeida na corte)
ENOCK BATISTA – Carneiro (homem com quem Tobias fecha um negócio)
HENRIETTE MORINEAU – Madame Madeleine Besançon (atriz francesa que quer comprar Isaura para alforriá-la)
JANSER BARRETO – Leôncio (criança)
JOANA ROCHA – Joana (mucama dos Almeida na corte)
LADY FRANCISCO – Juliana (mãe de Isaura, em flashback)
LOURDES COIMBRA – Maria (mucama dos Almeida na fazenda)
Dr. Campos (médico que cuida de Ester)
Edgar (capitão do mato chamado por Leôncio para caçar escravizados fugitivos)
Josias (funcionário da estalagem de Martinho em Barbacena)
Malvina (bebê de Santa e André)
Tião (capataz de Francisco no engenho)

– núcleo de ISAURA (Lucélia Santos), escravizada branca, órfã desde o nascimento, criada como moça da corte por sua senhora, que a protege como se fosse sua filha. No início, desconhece quem é seu pai, sabendo apenas que a mãe foi mucama da fazenda de seus senhores. Dócil e submissa, inteligente e culta, aprecia Literatura, fala francês fluentemente e toca piano como poucos. É grata pela proteção e educação que sua senhora lhe concedeu, mas sonha conquistar a liberdade. Ao longo da trama, sofre com os castigos cruéis impostos pelo filho de sua senhora, por não ceder ao seu assédio. Após conhecer seu pai, diante da morte de sua senhora e das dificuldades em conquistar sua liberdade, foge assumindo outra identidade, ELVIRA:
os pais: MIGUEL (Átila Iório), ex-feitor da fazenda onde Isaura nasceu. Atualmente trabalha na fazenda vizinha da dos senhores de Isaura. Revela-se à filha como seu pai e junta dinheiro para comprar sua alforria, sonhando com o dia em que possa viver com ela,
e JULIANA (Lady Francisco, participação), mestiça escravizada, perseguida pelo seu senhor. Grávida de Miguel, morreu no parto de Isaura.

– núcleo de LEÔNCIO CORREIA DE ALMEIDA (Rubens de Falco), único filho dos senhores de Isaura. Retorna da França no início, onde fora estudar, mas sem ter concluído qualquer graduação, para a fúria de seu pai. É um homem mesquinho, rude, arrogante, vaidoso e cruel com seus escravizados. Casa-se com uma moça de família rica e o pai o incube de administrar a fazenda da família, para onde parte com a mãe e um séquito de escravizados, incluindo Isaura. Tem desejo por Isaura e a persegue a todo custo. Diante das negativas dela, que sempre se safa de seu assédio, impinge-a os mais severos castigos, inclusive negando-se a conceder-lhe a alforria:
os pais: COMENDADOR ALMEIDA (Gilberto Martinho), ferrenho escravocrata, dono de uma chácara na corte do Rio de Janeiro e da Fazenda Santa Cruz, um engenho de açúcar em Campos dos Goytacazes. Perseguia e assediava Juliana no passado, assim como o filho faz com Isaura no momento. Preocupa-se com os bens da família, uma vez que Leôncio não se mostra capaz de gerir os negócios. Despreza Isaura e desaprova a forma como ela é criada por sua mulher. Arranja o casamento do filho com uma moça rica da corte. Após a morte da mulher, casa-se com sua amante e, influenciado por ela, passa por um processo de redenção,
e ESTER (Beatriz Lyra), mulher bondosa que criou e educou Isaura como uma filha. Carente da atenção do marido e do filho, é uma mulher doente e solitária que dedica a Isaura todo o seu carinho. Com o casamento de Leôncio, parte para a fazenda, mas logo morre, deixando a carta de alforria de Isaura assinada pelo marido. Ele a esconde e não cumpre o seu último desejo: libertar Isaura
os funcionários da Fazenda Santa Cruz: FRANCISCO (Isaac Bardavid), feitor cruel com os escravizados. Pau mandado e cúmplice dos crimes de Leôncio,
JAIME (Almeida Santos), capataz subordinado de Francisco,
e BELTRÃO (Carlos Duval), jardineiro. Coxo e corcunda, é uma figura horrenda, mas de bom coração. Compadece-se do sofrimento de Isaura, de quem fica amigo e a quem tenta proteger.

– núcleo dos escravizados da família Almeida:
JANUÁRIA (Zeni Pereira), velha cozinheira, falastrona e atrevida. Foi amiga de Juliana e Miguel e, no início, guarda o segredo sobre o passado de Isaura, a pedido de Miguel. Muito afeiçoada a Isaura, praticamente a criou e faz o que pode para protegê-la da ameaça de Leôncio, a quem odeia, pois conhece o seu caráter desde criança
ANDRÉ (Haroldo Oliveira), recém-comprado pelo Comendador Almeida. Apaixona-se por Isaura assim que chega à fazenda, mas não é correspondido. Acostumado a trabalhos domésticos, custa a adaptar-se à rotina nos canaviais, por isso vive em confronto com Francisco, que sempre o castiga
ROSA (Léa Garcia), bela negra, má e ardilosa. Usa o corpo como arma para conseguir o que deseja dos homens, de seus superiores e senhores. Sente inveja das regalias de Isaura, por isso vive a fazer intrigas para prejudicá-la. Trabalha na fiação da fazenda, com outras negras
RITA (Neuza Borges), companheira de Rosa na fiação, morre de medo de Francisco e de Leôncio
MARIA (Lourdes Coimbra), mucama na fazenda
ANA (Edyr de Castro) e JOANA (Joana Rocha), mucamas da chácara na corte.

– núcleo de TOBIAS PAES VIDAL (Roberto Pirilo), o primeiro amor de Isaura. Proprietário da Fazenda Imbituba, em Campos dos Goytacazes, vizinha da Fazenda Santa Cruz, dos Almeida. É patrão de Miguel. Apaixona-se à primeira vista por Isaura sem saber quem ela é. Quando descobre que é escravizada, dá-lhe todo o apoio em sua luta pela liberdade, já que é um abolicionista, ganhando assim a inimizade de Leôncio, que sente ciúmes dele com Isaura. Morre em um incêndio provocado por Leôncio:
a mãe ALBA (Amiriz Veronese), viúva que vive a reclamar da falta do que fazer na fazenda, desejando que os filhos façam bons casamentos na corte. Ao enviuvar, deixou toda a responsabilidade da fazenda a cargo do filho. Com a morte de Tobias, custa a aceitar sua partida
a irmã TAÍS (Elisa Fernandes), moça casadoira, farta do marasmo da vida na fazenda. A princípio, interessa-se por Leôncio, mas decepciona-se ao perceber seu real caráter. Apaixona-se por um amigo do irmão. De ideais abolicionistas, apoia a luta para libertar Isaura
a mucama LEONOR (Marlene Figueiró).

– núcleo do CONSELHEIRO FONTOURA (Dary Reis), viúvo, homem rico e influente na corte, com quem o Comendador Almeida tem negócios. Acata a ideia do comendador de casar seus filhos, o que seria um bom negócio paras ambas as famílias. Porém, não imagina o real caráter de Leôncio:
os filhos: MALVINA (Norma Blum), mulher bela, justa e de bom coração. Em suas idas à fazenda do Comendador Almeida, afeiçoa-se a Isaura e tenta ajudá-la a conquistar sua liberdade. Encanta-se com Leôncio, com quem se casa. Só após o casamento passa a conhecer de verdade o marido. Antes uma moça alegre e encantadora, com o casamento torna-se cada vez mais melancólica. Morre no incêndio provocado por Leôncio para matar Tobias,
e HENRIQUE (Mário Cardoso), jovem de ideais abolicionistas. Em Campos dos Goytacazes, reencontra Tobias, amigo dos tempos de estudos na corte. Galante e extrovertido, conquista o amor de Taís. Vai lutar pela causa de Isaura
a mucama SANTA (Maria das Graças), jovem esperta que fica amiga de Isaura. Conta com sua a ajuda para conquistar André, por quem é apaixonada. Tem uma filha com seu amado, que batiza com o nome de sua falecida senhora, Malvina.

– núcleo de CARMEM (Ângela Leal), aspirante a atriz dramática que sonha com o estrelato, porém com pouco talento. Extrovertida, espalhafatosa e deslumbrada, é amante do Comendador Almeida. Casa-se com ele após a morte de Ester, mas o casal enfrenta a oposição de Leôncio. Torna-se amiga de Isaura e faz o possível para protegê-la. É ela quem empresta a casa em Barbacena para que Isaura possa refugiar-se na fuga:
os amigos: LUCÍOLA (Nena Ainhoren), também aspirante a atriz. Moça um tanto vulgar, não menos espalhafatosa que ela,
e PALHARES (Mário Polimeno), dono da taberna que Carmem e Lucíola frequentam, onde o Comendador Almeida conheceu Carmem.

– núcleo de JOSÉ MATOSO (Ítalo Rossi), um tipo aproveitador e sem escrúpulos. Tendo perdido todo o dinheiro no jogo, empenha-se em casar a irmã, já que o pai lhe deixou uma herança que só será entregue depois que ela contrair matrimônio. Fica amigo de Leôncio, a essa altura viúvo, e oferta-lhe a mão de sua irmã:
a irmã ANINHA (Myrian Rios), jovem tímida e recatada. Leôncio aceita a proposta de José em casar-se com ela, pois sabe que está falido e poderá beneficiar-se de seu dote
o tio MATOSO (Francisco Dantas), homem honesto e justo, conhece o caráter do sobrinho e desaprova o seu comportamento. Frequenta os saraus promovidos por Carmem. Fica amigo do Comendador Almeida e do Conselheiro Fontoura.

– núcleo de ÁLVARO (Edwin Luisi), o segundo amor de Isaura. Jovem rico e generoso, defensor das ideias liberais e abolicionistas, o que o levou a alforriar todos os seus escravizados. Muito cobiçado pelas moças, não se interessa por nenhuma delas, até conhecer Isaura em Barbacena. Ou melhor, Elvira, como ela se apresentou. Lutará contra Leôncio pela liberdade da amada:
os amigos: GERALDO (Ary Coslov), advogado, abolicionista como ele. A princípio, tenta dissuadi-lo da ideia de conquistar Elvira, por considerá-la uma aventureira. Com a revelação de que ela é uma escravizada fugitiva, lutará com o amigo para ampará-la perante a lei,
e LÚCIA (Clarisse Abujamra), que conhece desde a infância. Seus pais sonhavam com um casameto, mas os dois são apenas grandes amigos. Cortejada por Geraldo, apaixonado por ela, aceita casar-se com ele
os pais de Lúcia: CAPITÃO ANDRADA (José Maria Monteiro), fazendeiro rico, uma das figuras mais influentes de Barbacena. Vizinho de Álvaro, foi grande amigo de seu falecido pai. Sonhava casar a filha com Álvaro, por isso não tolera a sua recusa em fazê-la a corte por estar apaixonado por Elvira. Vinga-se de Álvaro ajudando a denunciar Elvira-Isaura,
e CAROLINA (Gilda Sarmento), mulher um tanto fútil, adora promover saraus em sua casa. Sonha com um bom casamento para a filha
a amiga de Lúcia, ENEIDA (Ana Maria Grova), moça portuguesa que frequenta sua casa. Lúcia não sabe, mas ela é sonsa e dissimulada, uma falsa amiga. Ao descobrir que Elvira é Isaura, passa a escrever cartas anônimas a Leôncio informando sobre ela, de olho na recompensa ofertada por ele
o dono de estalagem MARTINHO (André Valli), ganancioso e ressentido por sentir-se inferior em relação aos rapazes da sociedade de Barbacena. Mancomunado com o Capitão Andrada, e interessado na recompensa ofertada por Leôncio, desmascara Isaura na festa de noivado de Lúcia e Geraldo.

– demais personagens:
MADAME MADELEINE BESANÇON (Henriette Morineau), famosa atriz francesa que se apresenta na corte do Rio de Janeiro com a peça “Fedra”, de Racine. Fica impressionada com a educação de Isaura, sua performance ao piano e fluência na Língua Francesa, ao mesmo tempo em que choca-se ao saber de sua condição de escravizada. Compadecida da jovem, oferece-lhe comprá-la do Comendador Almeida para conceder-lhe a alforria e levá-la embora para a França. Isaura agradece, mas recusa, já que acabara de conhecer seu pai e estava apaixonada por Tobias
DR. ALCEU (Aguinaldo Rocha), advogado chamado por Ester para redigir a carta de alforria de Isaura, assinada pelo Comendador Almeida, mas, depois, destruída por Leôncio.

Adaptação

Ao receber de Eneida do Rego Monteiro – então professora de Literatura do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro – a sugestão de que adaptasse o romance “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães (publicado pela primeira vez em 1875), Gilberto Braga leu o livro e logo viu que tinha nas mãos uma história com potencial. Em uma homenagem, o autor batizou de Eneida uma personagem da novela, vivida pela atriz Ana Maria Grova.

Porém, os acontecimentos do livro não renderiam o número de capítulos que Gilberto Braga necessitaria criar para uma novela. Seria complicado desenvolver cerca de cem capítulos sendo absolutamente fiel a um romance que renderia no máximo trinta. Problema maior era a falta de envolvimentos românticos da personagem principal, Isaura (Lucélia Santos), até a metade da história. No livro, a protagonista só conhece seu amor Álvaro com a trama adiantada (“Novela, a Obra Aberta e Seus Problemas”, Fábio Costa). Na novela, Álvaro (Edwin Luisi) só aparece a um terço do final da trama, no capítulo 65, exibido na véspera do Natal de 1976.

Gilberto Braga criou então o personagem Tobias (Roberto Pirilo) para evitar tanto tempo de Isaura no ar sem um interesse afetivo. Não faltaram vozes a condenar o autor pelo “crime” de criar um novo par para Isaura, ainda que quando perguntado ele explicasse as necessidades peculiares da escrita de uma telenovela. Para Álvaro entrar em cena, foi preciso matar Tobias, que saiu da trama em um entrecho folhetinesco magistral: foi morto no incêndio de uma cabana provocado pelo vilão Leôncio (Rubens de Falco), sequência exibida no final do capítulo 52, em 09/12/1976.

Cenas marcantes

O incêndio da cabana foi uma das cenas mais marcantes de Escrava Isaura. Neste mesmo incêndio, pensando tratar-se de Isaura, Leôncio acabou por assassinar a própria esposa, Malvina (Norma Blum), que ele não sabia que estava no local com Tobias. No romance, o destino de Malvina não foi tão trágico: ela abandonou Leôncio.

Marcante também foi a cena do baile em que Isaura, escondendo sua condição de escravizada fugitiva – usando um nome falso inclusive, Elvira – é desmascarada pelo caçador de recompensas Martinho (André Valli) – no capítulo 83, exibido em 14/01/1977.

Outra sequência icônica: no centésimo e último capítulo, a vilã Rosa (Léa Garcia), fingindo arrependida de suas maldades, sugere um brinde com um ponche envenenado a Isaura, seu desafeto. Na confusão, por engano, Rosa prova de seu próprio veneno e morre.
O telespectador mais atento pôde observar um erro de continuidade: na verdade, Rosa não tomou de uma das taças com a bebida letal, mas de outra, que Carmem (Ângela Leal) trouxera.

Neste mesmo capítulo, o pérfido Leôncio, falido e na iminência de ser preso, comete suicídio. As cenas das mortes de Leôncio e Rosa foram implícitas: os personagens não apareceram mortos para o público, como regrava a Censura Federal para o horário, na época.

Críticas do autor e diretor

Estreia de Lucélia Santos na televisão, convidada para interpretar o papel-título da novela pelo diretor Herval Rossano, após ele assistir ao desempenho da atriz (ao lado de Milton Moraes) na peça Transe no 18. (site Memória Globo)

O autor Gilberto Braga não concordou com a escalação, conforme confidenciou ao livro “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo” (de André Bernardo e Cíntia Lopes):
“Lucélia Santos nunca foi meu sonho como Isaura. Por mim, teríamos escolhido a Louise Cardoso. Mas enfim, eu tinha aluguel para pagar e acabava sempre aceitando as ideias do Herval [Rossano, diretor].”

Uma justificativa de Gilberto Braga para rejeitar a escalação de Lucélia Santos era de que ela não tinha o perfil físico adequado para a personagem, conforme a descrição no livro de Bernardo Guimarães. Para Gilberto, Lucélia era branca, baixinha e magra demais. O diretor Herval Rossano esclareceu que tudo seria “ajustado” na caracterização. A atriz usou sapatos de salto que a deixavam mais alta, além de vestidos que acinturavam sua silhueta e levantavam os seios, dando a impressão de formas mais robustas ao seu corpo.

“Acho estranha a escalação de Lucélia Santos para viver a Isaura porque ela é muito branca. Precisava ser, no mínimo, morena. Falei isso para o Herval na época: ‘Tínhamos que encontrar uma Yoná Magalhães mais jovem’. Eu achava que Lucélia não tinha o tipo, e continuo achando”, afirmou Gilberto em 2008 ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, do Projeto Memória Globo.

Ainda ao livro “Autores”, Gilberto Braga externou críticas ao elenco, à produção e até ao seu texto:
“A maioria do elenco era de atores muito impostados – a Lucélia não, já era uma atriz mais moderna. Mas, como um todo, o elenco tinha algo de moda antiga. (…) Pessoalmente, acho a novela horrível. Até hoje não entendo por que fez tanto sucesso. Era uma produção horrorosa. Eu não gosto, especialmente do elenco. Nem de meu texto.”

Apesar de todo o sucesso da novela, o diretor Herval Rossano também não guardava boas recordações. Ele declarou em 2004, por ocasião do lançamento da nova versão da história (produzida pela Record TV), da qual era também diretor:
“É a novela de que menos gosto. Prefiro Maria Maria [de 1978]. (…) Ela não tem qualidade. Usamos um equipamento inferior. Nos Estados Unidos, eles até perguntaram se a noite brasileira era azul. Puro erro de fotometria.”

Em 1976, após implantar Escrava Isaura e dirigir pessoalmente os 25 primeiros capítulos, Herval Rossano, recém-casado com a atriz Nívea Maria, viajou de férias em lua-de-mel, deixando a novela a cargo de seu codiretor Milton Gonçalves.

Elenco

Um grande destaque para o ator Rubens de Falco, que ficou para sempre marcado pela sua interpretação do vilão Leôncio Almeida.

Também destaque para as interpretações de Lucélia Santos, Edwin Luisi, Norma Blum, Léa Garcia, Zeni Pereira, Ângela Leal, Beatriz Lyra, Gilberto Martinho e Isaac Bardavid.

Primeira novela na Globo de Edwin Luisi e Neuza Borges e a estreia em novelas de Edyr de Castro, atriz e cantora do grupo musical Frenéticas.

Gilberto Braga contou com a participação especial na novela da atriz francesa (naturalizada brasileira) Henriette Morineau, grande dama do teatro de quem era fã. Era a primeira das duas vezes que Morineau participou de uma telenovela. Em Escrava Isaura, a atriz viveu a fictícia atriz francesa Madeleine Besançon, que vem ao Brasil para a apresentação nos palcos do clássico “Fedra”, de Racine. Em 1980, a atriz voltou à TV para outra trama de Gilberto Braga, Água Viva, em que o autor repetiu o sobrenome da personagem: Jojô Besançon, uma ricaça francesa.

Egressa do sucesso de sua personagem Vilminha na novela Pecado Capital, a atriz Débora Duarte foi sondada por Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, executivo da Globo à época) para viver a protagonista Isaura, mas recusou o convite pois estava no início da gravidez de sua filha Paloma (que nasceu em maio de 1977) e não quis se ausentar de São Paulo, onde morava. (“Débora Duarte, Filha da Televisão”, Coleção Aplauso)

Sucesso no exterior

Escrava Isaura é um marco na história de nossa televisão por ter sido a principal responsável pela abertura do mercado internacional para as telenovelas brasileiras. Ultrapassando fronteiras, seu sucesso mundo afora foi reverberado a ponto de a novela se tornar um cartão de visitas para nossas produções no exterior. Grande sucesso de exportação, a novela transformou a atriz Lucélia Santos em estrela internacional já em seu primeiro trabalho em televisão.

José Roberto Filippelli, em seu livro “A Melhor Televisão do Mundo” (página 61), narrou que, quando era diretor de vendas internacionais da TV Globo para a Europa, não conseguia vender novelas aos países europeus, que não aceitavam programas com tantos capítulos (mais de cem). Ao saber da edição de Escrava Isaura em 30 capítulos, feita para a reprise de 1979, Filippelli a solicitou à emissora e passou a oferecê-la no mercado europeu. Primeiro compraram a Suíça e a Itália (dublada em italiano) e, em pouco tempo, a novela já era um sucesso em todo o continente, depois no mundo inteiro.

Vinte e dois anos depois de ser exibida pela primeira vez no Brasil, Escrava Isaura já havia sido vista em quase 80 países, entre eles África do Sul, Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, China, Coreia, Dinamarca, Gana, Hungria, Indonésia, Islândia, Israel, Letônia, Líbano, Lituânia, Luxemburgo, Madagáscar, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Quênia, República Tcheca, Rússia, Singapura, Sri Lanka, Suíça, Turquia e Ucrânia.

Por causa deste sucesso internacional, atores do elenco viajaram o mundo para promover a novela, especialmente Lucélia Santos, Rubens de Falco e Edwin Luisi.

Escrava Isaura foi a primeira novela brasileira a furar o bloqueio da Cortina de Ferro (países da antiga União Soviética), onde fez muito sucesso.
Tendo estreado na União Soviética em 1988, foi a primeira novela brasileira transmitida na TV do país. A palavra “fazenda”, antes inexistente em russo, entrou para o dicionário por causa de Escrava Isaura: фазенда (pronuncia-se “fazenda”). (Antón Vélez Bichkov e Daniíl Burov)
Exibida em Cuba pela primeira vez em 1984 (às 23 horas pelo Canal 2, Tele Rebelde), a novela causou tamanho alvoroço que passou a ser reprisada às 18h30 do dia seguinte. A mídia chegou a reportar a demora de um voo local porque os passageiros e tripulação queriam assistir ao capítulo de Escrava Isaura. Foi reprisada em 1989. (Antón Vélez Bichkov)
Na Croácia, a novela parou a guerra quando foi lá exibida.
Na Bósnia, em pleno calor da guerra contra a Sérvia (1997), os dois exércitos decretaram cessar-fogo durante a exibição dos capítulos.
Na Polônia, a emissora local fez um concurso para encontrar sósias de Lucélia Santos e Rubens de Falco. Apareceram 8 mil candidatos. (“Livro do Boni”)
Na China, Lucélia Santos ganhou o Prêmio Águia de Ouro, com os votos de cerca de 300 milhões de pessoas – foi a primeira vez que uma atriz estrangeira recebeu um prêmio no país.

Em entrevista, Lucélia Santos afirmou que nunca imaginou que a novela faria tamanho sucesso e que tocasse tanto as pessoas de qualquer lugar e das mais diferentes culturas. Ela relatou ainda que Escrava Isaura, em diversos locais, mudou o horário de taxistas, voos, refeições, etc. Influenciadas pela novela, as pessoas simplesmente mudavam seus hábitos e seu vocabulário.

É curioso o fato de a novela ter repercutido muito em países do terceiro mundo, ou que viviam guerras (Croácia, Bósnia, Sérvia), ou aqueles de regimes então autocráticos (como a antiga União Soviética, Cuba, China, etc). Talvez pelo fato de sua mensagem, que transmitia o ideal de liberdade e democracia, sensibilizar povos sofridos ao redor do planeta.

Censura

Gilberto Braga narrou em entrevista os problemas da novela com a censura do Regime Militar:

“Quando comecei a escrever Escrava Isaura, fui chamado a Brasília para conversar, porque eles achavam a novela perigosa. Então, na reunião com censores, ficou mais ou menos estabelecido que eu poderia escrever Escrava Isaura, mas que não poderia falar de escravo. Uma censora me disse que a escravatura tinha sido uma ‘mancha negra’ na História do Brasil e que não deveria ser lembrada – aliás, segundo ela, o ideal seria arrancar essa página dos livros didáticos; imagine então falar disso na novela das seis…
Um censor falou que a novela podia despertar sentimentos racistas na netinha dele, porque ela via os brancos batendo nos escravos na televisão e podia querer bater nas coleguinhas pretas dela. Aí eu disse ao censor que ele devia ver um psicólogo para a menina porque, se ela se identificava assim com os bandidos… De qualquer maneira, eu prometi que ia falar o mínimo possível em escravo e falei o mínimo possível em escravo em Escrava Isaura.”

Gilberto usou essa passagem, com muita propriedade, em sua minissérie Anos Rebeldes (1992), ambientada em plena Ditadura Militar, em que o personagem Galeno Quintanilha (Pedro Cardoso), um novelista, é repreendido pelos censores ao escrever uma trama de cunho abolicionista. Galeno era o alter ego do autor, que levou ao público, por meio da minissérie, as dificuldades de se escrever uma novela nos Anos de Chumbo.

Locações e cenografia

Um incêndio, ocorrido no dia 04/06/1976, destruiu parcialmente instalações da sede da TV Globo, no Jardim Botânico, onde as cenas de interior de Escrava Isaura estavam sendo gravadas. Os trabalhos continuaram nos estúdios da TV Educativa e da Herbert Richers. (site Memória Globo)

Escrava Isaura não teve cidade cenográfica. As sequências externas foram todas gravadas em locações reais. A cidade de Conservatória e fazendas na região de Vassouras, no interior do estado do Rio de Janeiro, foram algumas das locações usadas. (site Memória Globo)
A Fazenda Juréia, em Barra do Piraí, serviu de fachada para a fictícia Fazenda Santa Cruz, na novela. Já a Fazenda Santa Bárbara, no distrito de Valença, foi usada para representar a parte externa da fictícia Fazenda Imbituba. (pesquisa: Will Moret)

Para a fachada da chácara da família Almeida na corte, foi usada uma pequena parte da área externa do antigo casarão que sediou o Consulado da Argentina, em Botafogo, no Rio (casarão demolido no final da década de 1970). Este mesmo prédio serviu de fachada para a mansão de Aurélia Camargo na novela Senhora, no ano anterior. (pesquisa: Will Moret)

Abertura e trilha sonora

A abertura era ilustrada com gravuras do pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), que morou no Rio de Janeiro no período do Império e retratou personagens e costumes desta época.

A música-tema da abertura, “Retirantes”, de Jorge Amado e Dorival Caymmi, interpretada pela orquestra e pelo coro da Som Livre – o lerê-lerê, um lamento de escravizados – marcou a TV brasileira e até hoje remete à personagem Isaura e à novela. O lerê-lerê também virou piada, quando alguém deseja indicar que trabalha demais.

Em 2006, a Som Livre relançou a trilha sonora de Escrava Isaura, em CD, na coleção “Master Trilhas”, 26 trilhas nacionais de novelas e séries da década de 1970 nunca lançadas em CD.

Exibição e repetecos

A novela não foi exibida na terça-feira do dia 25/01/1977 (aniversário da cidade de São Paulo). A Globo apresentou, em seu lugar, uma partida de futebol entre a Seleção Brasileira e a Seleção Paulista. O capítulo 92, que deveria ir ao ar nesse dia, foi exibido no dia seguinte, quarta-feira dia 26. (pesquisa: Fábio Costa)

Escrava Isaura é a novela campeã em reprises na TV Globo: foram pelo menos 4 repetecos só na TV aberta. Se considerar as exibições no Viva (canal de TV de assinatura pertencente à Globo), o recorde é da novela A Viagem (de 1994), com 5 reprises.

Escrava Isaura foi reapresentada:
– entre 29/08/1977 e 16/01/1978, às 13h30 – época em que a faixa Vale a Pena Ver de Novo ainda não tinha esse nome;
– entre 17/12/1979 e 19/01/1980, compactada em 30 capítulos, às 18 horas, como tapa-buraco entre as novelas inéditas Cabocla e Olhai os Lírios do Campo;
– entre 20/09 a 31/12/1982, pelas manhãs, dentro do programa TV Mulher;
– e entre 10/09 e 12/10/1990, compactada, no Festival 25 Anos da TV Globo.
Ainda: em 1985, somente para o Distrito Federal, em um compacto após o Jornal Nacional no horário em que no resto do país era exibido o Horário Eleitoral Gratuito.

Em 1986 (dez anos após Escrava Isaura), Lucélia Santos e Rubens de Falco voltaram a atuar em uma trama de época de cunho abolicionista, em que ela era a mocinha e ele, o vilão: Sinhá Moça, uma adaptação de Benedito Ruy Barbosa do romance de Maria Dezonne Pacheco Fernandes.

Em 2012, a Globo Marcas lançou o box de Escrava Isaura, com cinco DVDs.

A novela foi disponibilizada no Globoplay (plataforma streaming do Grupo Globo) em 23/10/2023.

Outras versões

O romance de Bernardo Guimarães já havia tido uma adaptação para o cinema em 1949 – filme de Eurides Ramos com Fada Santoro e Cyll Farney – e para a TV em 1961, em uma produção local da TV Itacolomi de Belo Horizonte, ao vivo, não diária.

Exatos 28 anos depois de sua estreia na Globo, a história de Isaura ganhou uma nova adaptação para a televisão, desta vez produzida pela Record TV, com texto de Tiago Santiago e direção-geral de Herval Rossano (o mesmo diretor da versão de 1976). Bianca Rinaldi foi a nova Isaura, Leopoldo Pacheco, Leôncio, e Théo Becker, Álvaro.
Esta versão da Record contou ainda com as participações especiais de Rubens de Falco e Norma Blum (da versão anterior), que voltaram a interpretar um casal, dessa vez os pais de Leôncio.

Em 2016, a Record TV levou ao ar a novela Escrava-Mãe, de autoria de Gustavo Reiz, que contava a saga de Juliana (vivida por Gabriela Moreyra), a mãe de Isaura, até o nascimento de sua filha – uma prequel (prequência) de Escrava Isaura.

01. PRISIONEIRA – Elizeth Cardoso (tema de Isaura)
02. AMOR SEM MEDO – Francis Hime (tema de Leôncio)
03. RETIRANTES – Dorival Caymmi (tema de abertura)
04. NANÃ – Orquestra Som Livre
05. BANZO – Tincoãs
06. MÃE PRETA – Coral Som Livre

Sonoplastia: Guerra Peixe
Direção de produção: Guto Graça Mello
Produção executiva: João Mello
Arranjos: Waltel Branco, Francis Hime e Radamés Gnatalli

Tema de abertura: RETIRANTES – Dorival Caymmi *

Vida de negro é difícil
É difícil como o quê
Vida de negro é difícil
É difícil como o quê

Eu quero morrer de noite
Na tocaia a me matar
Eu quero morrer de açoite
Se tu negra me deixar

Vida de negro é difícil
É difícil como o quê

Meu amor eu vou me embora
Nessa terra vou morrer
Um dia não vou mais ver
Nunca mais eu vou viver

Vida de negro é difícil
É difícil como o quê

* O tema de abertura é uma versão com letra africana

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