Malvino Salvador | Sérgio Guizé (foto: reprodução)

Ainda bem que você não é gay, eu ia sofrer muito!” – disse a personagem de Mel Maia ao pai, vivido por Malvino Salvador, no capítulo dessa segunda-feira (29/07) de A Dona do Pedaço. A homossexualidade de Agno é tratada na novela de maneira tão irresponsável quanto foi com o personagem de Eriberto Leão em O Outro Lado do Paraíso, do mesmo autor, Walcyr Carrasco. Além dos traços de caráter bem questionáveis, Agno é mostrado sob o estigma do gay predador (cada vez que investe em Rock, personagem de Caio Castro). Poderia haver um desenvolvimento profundo dessas questões, porém, dado o histórico de Carrasco, sabemos que não passa do reforço de estereótipos para atender a audiência.

Quanto mais eu vejo novelas das nove de Walcyr Carrasco, mais me convenço de que Verdades Secretas (uma das melhores da década, do horário das 23 horas) só foi possível porque ele dividiu a autoria com Maria Elisa Berredo. Sozinho às nove, Carrasco promove um festival de abordagens equivocadas, superficiais e irresponsáveis. Tudo é raso, dos perfis dos personagens às tramas. Já afirmei antes que o autor escreve para que uma criança de 8 anos possa entender, mas sem aprofundar, embasar ou explicar de forma que o público reflita e compreenda assertivamente.

Caio Castro e Malvino Salvador (foto: reprodução)

Curioso que Carrasco já fez certo uma vez (ainda que com muitas ressalvas): o Félix – Mateus Solano na primeira novela de Carrasco às nove, Amor à Vida -, personagem gay que revelou um ótimo desenvolvimento em sua relação conturbada com o pai homofóbico (do meio para o fim da novela).

Agora, ao autor, não importa o conteúdo, mas a forma. Importa alcançar a audiência da maneira mais fácil possível. Vide o sucesso de O Outro Lado do Paraíso, massacrada como uma das piores novelas da Globo da década, mas, ao mesmo tempo, um de seus maiores ibopes. A Dona do Pedaço segue muito bem de audiência, obrigado. Justamente porque atende um público que não se importa com motivações e explicações metafísicas. Pelo contrário: a irresponsabilidade do texto encontra respaldo no telespectador que faz chacota com gays e transgêneros (que casal tosco o português e a trans!) e é conivente com a normalização do armamento seguida da romantização da violência.

Paolla Oliveira e Sérgio Guizé (foto: reprodução)

Quem ama não mata

Sérgio Guizé, como Chiclete em A Dona do Pedaço, vive uma espécie de extensão de seu personagem anterior, o Gael de O Outro Lado do Paraíso, violentador de mulheres que, ao final, regenerou-se em uma espécie de cura espiritual. Atualmente, Chiclete mata por dinheiro, menos Vivi (Paolla Oliveira) – que romântico, olha o que o amor faz! Quer dizer, pode matar qualquer um, menos a amada. Ora, um homem violento, mesmo amando, não deixará de ser violento, logo Vivi corre grande perigo. A maneira como o amor de Vivi e Chiclete é representado na novela chama-se romantização da violência. Ainda mais por estar no contexto de uma família de matadores. A Dona do Pedaço é ou não é uma novela pensada para agradar o público atual?

Qual tipo de regeneração passará Chiclete para ficar com a amada? A espiritual – repetindo o plot de O Outro Lado do Paraíso – caberia bem, em tempos de terraplanistas, antivacinas e Joãos de Deus. A propósito, fui questionado que não cobro das séries (violentas, cheias de armas) o mesmo rigor com que cobro o assunto das novelas. Cobro sim, se a série abordar de forma irresponsável. O rigor maior pelas novelas é que uma série em streaming ou TV a cabo não tem a mesma abrangência ou repercussão que a novela das nove da Globo, em que a responsabilidade para tratar temas urgentes e de interesse social deve ser dobrada. E sempre cobrada.

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