Enzo (Gutto Szuster), Lúcia (Paloma Bernardi) e Damião (Pedro Caetano) (foto: divulgação/Netflix)

A Netflix estreou na semana passada sua mais nova aposta brazuca: a série O Escolhido, escrita por Raphael Draccon e Carolina Munhoz (conhecidos da literatura fantástica) e dirigida por Michel Tikhomiroff (da série O Negócio). Brazuca pero no mucho: O Escolhido é a versão brasileira da mexicana Niño Santo. Com 6 episódios (em média 43 minutos de duração cada), trata-se de uma trama de suspense sobrenatural, com alguma inspiração em lendas folclóricas, sobre uma espécie de seita em um vilarejo isolado do mundo “civilizado” que contrapõe a Medicina com a cura pela fé.

Os cenários naturais e paisagens são fantásticos, poucas vezes visitados na televisão. É um mérito e tanto, considerando que a série será vista lá fora. A trama se passa em algum lugar no Pantanal e as locações são todas reais (em cidades como Porto Nacional e Natividade, no Tocantins), aproveitando todo um cenário deslumbrante, com muito verde e água. A cidadezinha onde a série foi gravada é Natividade, uma beleza de cenário real. A produção de arte, figurinos e caracterizações são excelentes, minuciosos e muito ricos – ainda que presos aos clichês do gênero exigidos pelo roteiro.

A narrativa é ágil, quase frenética, o que faz o telespectador ficar preso à história. Os ganchos são a maioria muito bons, há bastante suspense e a trilha sonora e fotografia são eficientes na hora de criar o clima. Um ponto negativo da fotografia é o exagero da luz azul nas cenas noturnas, um recurso que havia ficado nas novelas dos anos 90.

Todos os clichês do sobrenatural são explorados, o que faz a alegria dos amantes do gênero. O dinamismo da narrativa é mais mérito da edição do que do texto. Passa a impressão de que a trama foi escrita para 12 episódios e coube à edição a tarefa de picotar para tudo caber em 6. Bom porque acontece muita coisa, porém, a pressa induz ao erro: a edição não conseguiu burlar o mau desenvolvimento de algumas sequências, como o desfecho da temporada, em que tudo pareceu corrido. Também a médica Lúcia (Paloma Bernardi), tão resistente ao que acontecia em redor, sucumbiu facilmente aos encantos do Escolhido e aos apelos da carne com Mateus – passagens truncadas em que ficou faltando algo que justificasse o comportamento incoerente com o perfil da personagem.

Divulgação Netflix

Combinação explosiva: texto + direção + elenco

O maior problema de O Escolhido é o texto, com frases feitas e falas que soam pouco naturais. Optou-se por usar um português corretíssimo nas falas dos moradores da cidadezinha, ignorando que, por ser uma população ribeirinha, deveriam falar de maneira mais simples, ainda mais por considerar que a trama inspira-se em lendas populares. O ator precisa ser muito bom e experiente para dar alguma dignidade a esse roteiro. A direção de atores poderia contornar o problema, mas leva à risca uma empostação que dói no ouvido ante um texto tão esquemático. O tom solene das falas cabe na proposta da série, mas não cabe em seu texto – algo que a agilidade da narrativa não consegue disfarçar.

Vários personagens renderiam grandes interpretações. Porém, poucos atores se destacam. Aí deflagra-se outro problema: o elenco de maioria inexperiente, em uma combinação explosiva com o texto ruim e a direção de atores nula. Personagens muito importantes – como o próprio protagonista Escolhido, vivido por Renan Tenca – demandam atores mais tarimbados. Além de Renan, falta estofo a Mariano Martins, o Mateus (que melhora no decorrer da trama), e Allison Willow, a estrangeira Angelina.

A que melhor se sai é Paloma Bernardi, como a médica Lúcia. Contida, a atriz consegue transmitir a dúvida e aflição da personagem. É a única eficiente na interpretação mais naturalista. Minto, há também o ótimo Francisco Gaspar, que vive Silvino, personagem que leva os médicos de barco até a cidadezinha. Paloma e Gaspar conseguem driblar muito bem a deficiência do texto. Outros destaques são Tuna Dwek, como a sinistra Zulmira, e Astrea Lucena, a misteriosa Cleusa, atrizes que usam a expressão (corporal e facial) para ir além do que pede o roteiro.

A princípio, parecia que O Escolhido pegaria carona na onda antivacina que assola o país. Porém, vítima da pressa em contar a história, essa abordagem é ignorada. O conservadorismo de um povo, a fé cega a um líder salvador e a resistência em aceitar o diferente só servem à história, não suscitam reflexão tampouco crítica. Neste sentido, O Escolhido permanece no raso, meramente se bastando em sua função de entreter – o que faz a contento.

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