Isabelle Drummond (reprodução)

Uma novela superficial. Em todos os sentidos: do texto, primário, à trama, sem rumo, às interpretações, caricatas, à pesquisa de época… qual pesquisa? (e olha que para pesquisa a Globo tem todas as armas, hein, bastava assistir a uma novela dos anos 90!).

Perdão, não consegui comprar a ideia de Verão 90. Já me causou uma tremenda preguiça quando a Globo a promoveu de um jeito e no segundo capítulo já não era mais nada daquilo que a novela se vendeu. Toda promoção em cima de um grupo musical infantil de sucesso nos anos 80 se dissipou quando a trama caiu em 1990, com os membros da patotinha já crescidos. A novela, de fato, era sobre Manu (Isabelle Drummond), João (Rafael Vitti) e Jerônimo (Jesuíta Barbosa), jovens, e o passado dos personagens era apenas um elo que não interessava mais à história que se desenvolveu a partir de então (qual história?).

Personagens caricatos

Entendo perfeitamente a proposta da comédia nonsense. Porém, foi difícil de engolir Isabelle Drummond estridente e abobalhada, Humberto Martins de fala mole e abobalhado, e Alexandre Borges encarnando pela enésima vez o tipo… abobalhado. Ainda Totia Meirelles como vilã de novela mexicana e Claudia Raia em uma imitação tosca de Carmem Verônica (se Carmem eu fosse, ficaria ofendido!). Muitos abobalhados para uma novela só!

Jesuíta Barbosa (como eu e você) precisa pagar boletos. Personagens densos em filmes, séries e superséries “cabeça” rendem prêmios. “Mas vamos trabalhar um pouquinho e fazer uma novela?!” De Jerônimo, o máximo que o ator conseguiu passar foi uma sensação de extrema má vontade. Rendeu um dos piores personagens de nossa Teledramaturgia recente. Culpa do ator? Claro que não! Culpa que quem o escalou com essa proposta de personagem.

Camila Queiroz e Jesuíta Barbosa (reprodução)

Qual trama?

A princípio, parecia uma cópia deslavada de Vale Tudo, disfarçada de “homenagem”. No fim, ficou só parecendo uma paródia involuntária de Vale Tudo. Na falta de um fio condutor potente, a trama de Verão 90 deu voltas sobre si – ainda que, é preciso reconhecer, de forma competente. As autoras Izabel de Oliveira e Paula Amaral foram hábeis em criar situações episódicas para que a novela não caísse na barriga.

Assim, Mainha – a ótima personagem de Zezeh Barbosa – recheou a novela por um tempo, como se fosse um episódio livre da “série Verão 90“. Da mesma forma, outros episódios foram sendo criados. É legal! Porém, escancara que a trama central não era forte o suficiente para render uma novela de no mínimo 6 meses. Não houve barriga, mas sobrou enrolação em uma história sem muito para contar.

Qual pesquisa de época?

Por ser uma produção que se vendeu “de época”, a pesquisa deveria ter sido, no mínimo, mais cuidadosa. Além das citações a fatos e cultura pop da década de 1990, a pesquisa segurou-se muito nas músicas – ainda que a cronologia não fosse respeitada e a trilha sonora abrangesse um leque bem maior, que ia de músicas do início da década de 1970 ao final da de 1990. No mais, quase nada em Verão 90 remeteu ao anos 90: dos cenários e caracterizações (cabelos, maquiagem, figurinos e moda) a gírias, ambientações e reprodução de época. O suprassumo foi a geladeira do apartamento de Jerônimo, quase igual à minha, um modelo de 2010!

Acho muito engraçado a desculpa da emissora de que a proposta da novela não é “marcar”, mas somente remeter à época. Isso apenas garante a facilidade de uma pesquisa “solta”, ou melhor falando, sem o menor cuidado, em que se pode errar com a desculpa de que a proposta não é ser fiel. Deslizes e liberdades são aceitos, com parcimônia, caso contrário cai na atemporalidade – e não importa a proposta da novela. Só que, ao assumir que Verão 90 fosse atemporal, perdia-se o fio da meada de sua proposta noventista. No fim, não ficou “anos 90” e nem atemporal. Só deixou a impressão de pesquisa mal feita mesmo.

Claudia Raia (reprodução)

O que foi bacana

No mais, vamos elogiar quem deve ou o que deve ser elogiado. Já escrevi um texto destacando os ótimos trabalhos de Dandara Mariana (carismática, esfuziante) e Gabriel Godoy e Ícaro Silva, sempre muito versáteis. As autoras da novela souberam aproveitá-los bem. Também curti algumas metalinguagens e referências à cultura pop que marcaram a TV do período – como as representações de Silvio de Abreu e Jorge Fernando na escalação de Rainha de Sucata, Tony Ramos dublando Figueirinha (Lucas Domso), e as reproduções de cenas icônicas da televisão por Manu e João (como Viúva Porcina e Sinhozinho Malta e a cena do café da manhã de Guerra dos Sexos). Foram brincadeiras saborosas.

Parabéns às autoras Izabel de Oliveira e Paula Amaral por terem levantado a moral do horário das sete, combalida pelas últimas produções (O Tempo Não Para e Deus Salve o Rei). Sua novela agradou o público menos exigente, que só estava interessado em desopilar do dia a dia. Novelas como Verão 90 e A Dona do Pedaço atendem a um anseio atual da população em simplesmente fechar os olhos para a realidade terrível do nosso país, marcada pela crise econômica e política. O escapismo que assola as novelas da Globo atingiu até a produção das seis, Órfãos da Terra, que prometia uma pegada mais realista (ao abordar os refugiados) e já descambou para o melodrama batido.

Dado o resultado na audiência (média geral de 26 pontos no Ibope da Grande SP), Verão 90 cumpriu bem o seu papel: apenas entreter. É inegável o seu forte apelo ao tentar atingir a nostalgia do público. Porém, discordo que resgatou o modelo de comédia que durante muito tempo ocupou a faixa das sete da noite. Verão 90 em nada lembrou as comédias de Silvio de Abreu, Cassiano Gabus Mendes e Carlos Lombardi dos anos 80 e 90 – estas tinham tramas, textos e personagens melhor elaborados e desenvolvidos. Na verdade, com seu forte apelo infantil, Verão 90 estava mais TV Colosso e Caça Talentos (só para ficar nos anos 90).

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Verão 90