“Ainda bem que você não é gay, eu ia sofrer muito!” – disse a personagem de Mel Maia ao pai, vivido por Malvino Salvador, no capítulo dessa segunda-feira (29/07) de A Dona do Pedaço. A homossexualidade de Agno é tratada na novela de maneira tão irresponsável quanto foi com o personagem de Eriberto Leão em O Outro Lado do Paraíso, do mesmo autor, Walcyr Carrasco. Além dos traços de caráter bem questionáveis, Agno é mostrado sob o estigma do gay predador (cada vez que investe em Rock, personagem de Caio Castro). Poderia haver um desenvolvimento profundo dessas questões, porém, dado o histórico de Carrasco, sabemos que não passa do reforço de estereótipos para atender a audiência.
Quanto mais eu vejo novelas das nove de Walcyr Carrasco, mais me convenço de que Verdades Secretas (uma das melhores da década, do horário das 23 horas) só foi possível porque ele dividiu a autoria com Maria Elisa Berredo. Sozinho às nove, Carrasco promove um festival de abordagens equivocadas, superficiais e irresponsáveis. Tudo é raso, dos perfis dos personagens às tramas. Já afirmei antes que o autor escreve para que uma criança de 8 anos possa entender, mas sem aprofundar, embasar ou explicar de forma que o público reflita e compreenda assertivamente.
Curioso que Carrasco já fez certo uma vez (ainda que com muitas ressalvas): o Félix – Mateus Solano na primeira novela de Carrasco às nove, Amor à Vida -, personagem gay que revelou um ótimo desenvolvimento em sua relação conturbada com o pai homofóbico (do meio para o fim da novela).
Agora, ao autor, não importa o conteúdo, mas a forma. Importa alcançar a audiência da maneira mais fácil possível. Vide o sucesso de O Outro Lado do Paraíso, massacrada como uma das piores novelas da Globo da década, mas, ao mesmo tempo, um de seus maiores ibopes. A Dona do Pedaço segue muito bem de audiência, obrigado. Justamente porque atende um público que não se importa com motivações e explicações metafísicas. Pelo contrário: a irresponsabilidade do texto encontra respaldo no telespectador que faz chacota com gays e transgêneros (que casal tosco o português e a trans!) e é conivente com a normalização do armamento seguida da romantização da violência.
Quem ama não mata
Sérgio Guizé, como Chiclete em A Dona do Pedaço, vive uma espécie de extensão de seu personagem anterior, o Gael de O Outro Lado do Paraíso, violentador de mulheres que, ao final, regenerou-se em uma espécie de cura espiritual. Atualmente, Chiclete mata por dinheiro, menos Vivi (Paolla Oliveira) – que romântico, olha o que o amor faz! Quer dizer, pode matar qualquer um, menos a amada. Ora, um homem violento, mesmo amando, não deixará de ser violento, logo Vivi corre grande perigo. A maneira como o amor de Vivi e Chiclete é representado na novela chama-se romantização da violência. Ainda mais por estar no contexto de uma família de matadores. A Dona do Pedaço é ou não é uma novela pensada para agradar o público atual?
Qual tipo de regeneração passará Chiclete para ficar com a amada? A espiritual – repetindo o plot de O Outro Lado do Paraíso – caberia bem, em tempos de terraplanistas, antivacinas e Joãos de Deus. A propósito, fui questionado que não cobro das séries (violentas, cheias de armas) o mesmo rigor com que cobro o assunto das novelas. Cobro sim, se a série abordar de forma irresponsável. O rigor maior pelas novelas é que uma série em streaming ou TV a cabo não tem a mesma abrangência ou repercussão que a novela das nove da Globo, em que a responsabilidade para tratar temas urgentes e de interesse social deve ser dobrada. E sempre cobrada.
Não gostei nem um pouco da maneira como trataram a homossexualidade em A Dona do Pedaço. O Agno e o Leandro só viviam de abraços mais pareciam pai e filho. No momento do beijo a imagem ficou escura e uma luz não mostrou direito. Se fosse pra beijar assim era melhor nem beijar. Até o SBT já quebrou esse tabu. Se fosse na Argentina ou em Portugal seria diferente
Independente de ser gay ou hétero todo mundo sofre. Afinal a nossa vida não é tão fácil. Mas eu fiquei decepcionado pela maneira como a Globo trata os personagens gays. O Agno e o Leandro só viviam de abraços e mais pareciam pai e filho do que um casal. Beijo entre iguais nas novelas ainda é um tabu. No último capítulo a cena do beijo em plena escuridão me decepcionou mais ainda. Os únicos personagens gays a se beijarem fora do último capítulo foram o Lucindo e Otávio de Orgulho e Paixão e André e Tolentino de Liberdade, Liberdade. Em telenovelas portuguesas e argentinas já não é tabu há muito tempo
Gosto de outras novelas do Walcyr, mas as últimas deixam bastante a desejar. Textos pobres, sem a intenção de fazer refletir sobre a realidade (que é o papel da arte). A Globo tem muitas novelas que marcaram época e aos poucos, isso vai se tornando esporádico. Acho que a última novela com alguma capacidade de mergulhar fundo nas abordagens foi A Força do Querer, esta sim, abordou transexualidade de uma forma correta. Nilson, lembro de uma crítica a O Outro Lado do Paraíso, em que vc lamentou a forma patética como Walcyr tratou da homossexualidade do personagem de Eriberto Leão, comparando com a abordagem rica da transexualidade na novela anterior. Enfim,eu espero que a próxima novela seja melhor.
O mais interessante é que, apesar da produção da Globo exigir um tanto quanto riqueza no que faz, parece que não existe consultoria/acessoria nos que se escreve. Certas cenas merecem destaque pela impossibilidade de se realizar, pois nos dias atuais nenhum sacerdote católico pode exercer seu ministério litúrgico fora do ambiente a que é destinado (realizar casamento) e ainda mais sem que o próprio sacerdote tenha conhecimento de quem vai se realizar os sacramentos. Para se realizar o sacramento da União de um casal a igreja exige ao menos que os noivos vão à igreja. Isso não existe nem na imaginação de crianças.
Walcyr Carrasco tenta criar uma catarse coletiva com essa trama maniqueísta, tentando emular Vale Tudo (embora Verão 90 tenha acabado de fazer isso), só que o resultado é um desastre, não pela proposta em si, mas, pela péssima qualidade do texto. Pode ser bom para angariar audiência fácil, mas, artisticamente é um desastre, como foi O outro lado do Paraíso.
A sua crítica da novela é tão perfeita que pode ser colocada num quadro e emoldurada. Eu possuo simpatia pelo casal – a Trans e o Português – por causa do trabalho que fazem, infelizmente eles não possuem culpa pelo texto caótico e sem compromisso com coisa alguma do Walcyr Carrasco. Excelente oportunidade dada para a Glamour na trama em pleno horário nobre (espero que abra muitas outras portas às Trans). Aliás, o autor e Aguinaldo Silva parecem disputar um campeonato interno dentro da emissora – quantidade de desserviços prestados nas suas tramas. As últimas de ambos, se formos enumerar, encherão páginas de exemplos. A Globo não sabe em qual classe mais “atirar” – A, B, C, D, E, F. As novelas são “rajadas de tiros” dos temas a esmo, sem preocupação alguma com a verossimilhança necessária àquilo que carece de maior explicação. As tramas seriam ótima chance para explicar com mais profundidade alguns temas. Walcyr joga tudo isso num liquidificador em alta potência e mantém propositalmente a tampa aberta – para respingar em todo mundo. E dá as costas para todos, sem se importar com as consequências. Típico dele e do Aguinaldo…
Posso aplaudir texto do Nilson de pé?
Eu assisti algumas novelas dos EUA, Alemanha e Inglaterra que tratam do tema homossexualidade e percebi uma diferença enorme em termos de qualidade para as novelas atuais da Globo. Diálogos muito bem-construídos com histórias que prendem a atenção do telespectador. Acho vergonhoso a maneira como o gay é retratado nas novelas da Globo. Eu não duvido que daqui alguns meses o Walcyr apareça com uma novela falando sobre terra plana, afinal o que importa é audiência e terra plana está em alta.